Reticências


Lembro bem daquela última noite. Há dias estávamos num clima tenso. Sabíamos muito bem onde todas aquelas brigas, lágrimas, telefonemas sem despedidas e falta de respeito nos levaria. Você já demonstrava sinais de mudança mas para mim não tinha mais conversa. Estava apenas aguardando o momento certo de colocar o ponto final.

Foi a primeira (e única) vez que saímos a noite. Digo, saímos para uma 'balada'. Nossas saídas se limitavam a jantares com familiares e peças de stand up. Eu estava realizada. Sabe Deus por qual motivo aquele ambiente noturno, luzes e bebidas, pessoas medíocres, fingindo ser o que não são me fascinava. Eu sabia que aquele era o último lugar do mundo que você gostaria de estar. Mas não me importava. O importante é que havia cedido.

Aquilo não tinha nada a ver com você. Sei que tudo que mais queria era estar em casa, naquele sábado a noite. Comendo uma pizza, assistindo um filme. Sem stress. Mas eu não. Tinha um fogo que não me deixava satisfeita com programas light. Queria porque queria estar em destaque, ser o alvo das atenções. Ridícula.

Mas você foi gentil, amável comigo desde os preparativos. Quando entrei no carro, me elogiou. Coisa rara, vinda de você.

-Nossa, você conseguiu ficar ainda mais linda!

Surpreendida, apenas agradeci. Enquanto dirigia, falou que me faria uma mulher muito feliz. Também pediu que não demorássemos muito para voltar, afinal, trabalharia no domingo. Dei uma resposta mal criada. Fiquei séria o caminho todo.

Sim, a decisão já estava tomada naquela noite. Acho que me aproveitei de você naquele dia. Mesmo sabendo das minhas decisões, quis ir até lá cm você. Cretina. Interesse. Era isso. Eu não queria estar desacompanhada, e desejava muito ir àquele aniversário. Então fomos.

Durante a noite, fez todas as minhas vontades.A todo momento perguntava como eu me sentia e se queria alguma coisa. Eu queria: estar sozinha. Eu conseguia ver seu esforço, era perceptível a quilômetros. Lembro até hoje do seu olhar, como se estivesse implorando pelo meu amor. Eram seus últimos esforços pra salvar a gente. Como se você estivesse nadando contra a correnteza, tentando me salvar, e eu estivesse a favor dela. Deixando a direção mais conveniente me levar.

E no dia seguinte, você quis conversar sobre a minha atitude. Aliás, sobre a falta dela. E com outras palavras atravessadas, disse que não tinha o que conversar. Que estava tudo bem, obrigada. Você insistiu. E eu tirei da bolsa aquele ponto final, que há dias estava guardado. Coloquei com orgulho, bem nítido pra que você e todo mundo soubesse. E depois chorei. Não porque estava arrependida, mas porque alguma coisa me dizia que eu iria me arrepender.

Dona da verdade, como sempre achei que fosse, ignorei essa voz que implorava que eu guardasse o ponto final novamente.

Eu não queria te ver sofrer. Não queria que chorasse. Queria que achasse aquilo a coisa mais normal do mundo. Pessoas terminam o namoro todos os dias e nem por isso o mundo pára de girar. Simples. Fácil. "Ele vai superar".

Há um ano atrás eu coloquei um ponto final.  E agora, humildemente, peço que, se possível, me deixe colocar mais dois pontos ao lado daquele. E quem sabe se eu transformar o ponto final em reticências, a gente possa continuar essa história daqui pra frente.

Tem coisas que eu não queria lembrar. Mas, mais do que isso: não queria que você lembrasse. É triste saber que temos um passado tão cheio de cicatrizes. Entretanto, estou a espera do dia, que poderemos olhar para trás com tranquilidade, e saber que estamos prontos para viver de verdade.


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